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Cadeias musculares e o Pilates: um diálogo possível.

INTRODUÇÃO

Historicamente Joseph construiu seu projeto dentro do PROPÓSITO da grande SAÚDE, um conceito que se relaciona diretamente com o paradigma de um corpo que expressa emoções e sentimentos e de uma mente que é a expressão mais sutil dessa vivência emocional, ou seja, corpo e mente como dois aspectos de uma mesma coisa.

De posse dessa ideia criou o seu método de exercitação tendo dentro dele CONCEITOS que hoje podem claramente conversar e dialogar com outros métodos no sentido de entendermos melhor como podemos atuar nessa intersecção entre o corpo e a mente. Alguns conceitos como POSTURA, RESPIRAÇÃO, CONTROLE MOTOR, COMPORTAMENTO, EDUCAÇÃO, que estão na base do método e são indispensáveis para a compreensão deste, também são conceitos pensados por outras propostas de trabalho corporal.

Um deles, o método GDS (iniciais da criadora do método Godelieve Denys-Struyf) busca entender o ser humano dentro de uma perspectiva diferente do modelo biomédico (o corpo como uma máquina biológica onde o topo pode ser representado pela soma das partes), optando por não fragmentar o corpo e o sujeito, dentro da abordagem terapêutica. Além disso, segundo (Vieira, 1998) essa abordagem valoriza a participação ativa do sujeito no intuito de torná-lo consciente do trabalho realizado e o consequente domínio do eu-corporal.

O conceito de cadeia muscular, proposto pelo método GDS possibilita pensarmos nossa atuação com o Pilates para além de uma atividade meramente funcional, que utiliza o exercício como uma proposta de ganho de força ou flexibilidade, e que enxerga o corpo como uma máquina biológica regida por leis de causa e efeito, sendo a saúde a mera condição de ausência de doença. Nessa perspectiva reduzimos o corpo a um objeto que pode ser modificado (postura) de acordo com a vontade de alguém (seja o próprio sujeito “dono” desse objeto, ou o seu “treinador”) e principalmente reduzimos o sentido da nossa prática profissional com o Pilates a esse paradigma biomédico.

Quando o corpo é considerado um objeto separado do sujeito, tal qual ocorre nesse paradigma, a subjetividade do outro não tem valor.

Convergências com o Método Pilates

As primeiras convergências entre o método Pilates e o método GDS são:  a quebra de paradigma em uma perspectiva segmentada sobre o sujeito; a aposta em uma reeducação nos padrões habituais de movimento; enfatizar a unidade corpo-mente.

Do ponto de vista do método GDS os três pontos citados acima possuem, no conceito de CADEIA MUSCULAR, o elo fundamental. Esse conceito remete à ideia de que os músculos não funcionam isoladamente, e sim possuem uma certa SOLIDARIEDADE entre famílias que se comunicam devido aos tecidos conjuntivos e contráteis que fazem parte desse sistema. Se não há contrações de músculos de forma isolada, o sistema de tratamento proposto recorre à globalidade mesmo para tratar uma parte.

Já o Pilates tem no conceito de CENTRALIZAÇÃO, que se refere a uma ideia de organização do corpo como uma unidade, um ponto convergente ao método GDS. O conceito de centralização do Pilates, relaciona-se com o conceito de CAIXA DE ALINHAMENTO e com a ideia de CONTROLE MOTOR. Todo movimento no Pilates é proposto a partir da organização prévia do tronco como uma região de transmissão de força e energia, de forma que os membros (MMII e MMSS) possam encontrar o movimento justo a partir da unidade com o tronco e do equilíbrio entre os aspectos de rigidez e mobilidade.

Aqui cabe um parêntese sobre à condução do movimento durante a prática do método Pilates, já que o conceito de caixa de alinhamento não pode ser interpretado como uma ação dos músculos centrais do corpo (powerhouse) na base do “quanto mais melhor”. Aqui parece que houve um exagero que tomou conta do mundo do Pilates, devido justamente à influência desse paradigma de corpo biomédico, que se expressa no exagero de contração dos músculos centrais do corpo com o intuito de “proteção” das alavancas da coluna. Será mesmo que toda essa contração de músculos centrais do corpo são benéficas para todos?

Essa desconstrução passa pela ideia de que a organização prévia das alavancas corporais fará o corpo encontrar, de forma mais intuitiva e natural, um nível de ativação suficiente para a demanda solicitada pela prática.

Outro ponto importante que o conceito de CADEIA MUSCULAR remete é a ideia de que os músculos do corpo representam uma linguagem por meio do nível de tensão que podem apresentar. Essa ideia amplia o paradigma de corpo pois integra o campo das emoções e do sentir, à forma do corpo (pulsão corporal) e ao próprio gesto motor. Dessa maneira podemos notar um deslocamento da ideia de que uma forma corporal se relaciona apenas com aspectos de força e flexibilidade, aonde basta alongar o que precisa ser alongado e fortalecer o que precisa ser fortalecido para que o corpo encontre uma “FORMA IDEAL”.

Joseph Pilates, ao longo das suas obras escritas também tenta realizar um certo deslocamento dessa perspectiva pela ideia de uma unidade entre corpo e mente, porém suas reflexões nesse sentido não se aprofundam do ponto de vista teórico. Podemos encontrar nas suas observações dos hábitos e padrões de movimentos infantis, por exemplo, uma certa ideia da relação que ele mesmo acreditava entre comportamento e a POSTURA CORPORAL.

“A grande maioria se exercita de forma mecânica e superficial, sem concentração mental – um total desperdício de tempo e esforço. Tal exercitação leva a falsas concepções e conclusões na vida adulta, altamente prejudiciais ao bem-estar final da criança crescida” (Pilates, 1934)

A partir dessa visão e dentro do seu PROPÓSITO educacional, Joseph Pilates cria um método de trabalho que do ponto de vista da sua organização e sistematização, conforme nos chega pela perspectiva da escola da Romana Kryzanowska, podemos visualizar claramente uma proposta de reconstrução e reaprendizagem do nosso processo de desenvolvimento neuropsicomotor, onde os movimentos serão construídos seguindo uma lógica de possibilidades que um dia foi proposta pela maturação do nosso sistema nervoso central.

Essa é a lógica que existe por trás de toda essa metodologia!

Podemos entender isso melhor quando analisamos uma certa ordem cronológica de maturação das cadeias musculares proposta pelo método GDS.

A onda do crescimento proposta por GDS.

O método GDS define o desenvolvimento psicomotor da criança na imagem de uma onda. Nesta onda, desde o momento da concepção até o fim da primeira infância, a criança estrutura e internaliza os pilares básicos da sua personalidade e as referências mecânicas que vão organizar sua atitude corporal, sua postura e sua maneira de estar e se expressar no mundo por meio das CADEIAS MUSCULARES. (Ungier, 2016)

Repare que na base da onda, vemos uma imagem de uma criança em uma posição de enrolamento (NOSSO ROUND DO PILATES OU A CURVA”C”) após um processo de desenvolvimento vemos uma outra imagem na crista da onda, onde o fim da primeira infância é simbolizado pelo nosso “CHEST EXPANSION” do Pilates.

O que essa onda representa? Como ela pode ajudar a nossa compreensão sobre a organização do método Pilates?

Segundo os estudos de Denys-Struf, passamos por diferentes etapas (ondas) durante a nossa existência e cada momento pode ser representado por certas características psico-morfo-comportamentais. Essas ondas são cíclicas, ocorrem em muitos momentos de nossas vidas, porém, segundo GDS a grande onda está marcada na infância, da gestação até, aproximadamente, os primeiros contatos com a linguagem escrita. Essa fase que pode ser considerada do 0 aos 7 anos de idade, mais ou menos, possui três momentos importantes:

1) Primeira fase (0-3 anos) – Fase sensorial e afetiva representada pela cadeia muscular (AM) – Antero Mediana – sigla que representa a disposição dos músculos em nosso corpo e representa uma cadeia muscular específica aonde sua organização músculo-articular e sua atitude corporal, que vão se construindo ao longo do nosso desenvolvimento emocional, podem ser representadas pelo movimento de enrolamento (curva “C”).

Do ponto de vista psicológico e afetivo, essa é uma fase onde o bebê humano depende de um adulto para ter as suas necessidades atendidas e para se comunicar, tendo à sua disposição somente as sensações biológicas e os movimentos descontrolados, sua possibilidade de comunicação é reduzida ao choro e às tensões musculares. Normalmente o desconforto é representado pelo retesar o corpo, jogando-o para trás em uma atitude precoce em extensão. Já as experiências mais confortáveis são aquelas associadas ao enrolamento, onde os membros, por uma hipertonicidade dos flexores, encontram-se voltados para o centro do corpo.

• AM é sinônimo de base de raiz, o que é perfeitamente ilustrado pela gravidez. Anatomicamente está muito presente na região da bacia, com os músculos do períneo.

• A atitude enrolada do bebê em posição fetal simboliza a orientação voltada para o ego físico, para a vida vegetativa e as sensações.

• Características psicológicas: pessoas afetivas, receptivas e calorosas.

O Pilates alimenta essa cadeia muscular logo no sistema básico.

Coincidentemente no método Pilates, dentro de sua estrutura básica de trabalho vemos uma predominância dos movimentos de enrolamento (cadeia muscular AM) como destacado abaixo no stomack massage (round) e no roll up:

2) Segunda fase – (3 a 6 anos) – representada pela cadeia muscular (PA) – póstero anterior. São músculos situados posteriormente nas goteiras vertebrais e são ativos principalmente na inspiração, sendo responsáveis pela ereção do tronco. Esses músculos são poderosos ligamentos ativos da coluna vertebral e o seu desenvolvimento proporciona à criança a estabilidade no tronco para sentar.

No decorrer da nossa trajetória, nossa comunicação com o mundo se amplia, e essa nova estrutura desenvolvida capacita a criança a interpretar os signos oferecidos pela cultura. É a fase em que criança explora todo o seu potencial criativo, imaginário, numa ordem proporcionalmente direta ao seu enriquecimento simbólico (PA). Essa é a fase em que a criança adora ouvir estórias, se fantasiar de princesa ou super-herói.

No Pilates ativamos essa cadeia toda vez que pedimos o crescimento axial do aluno associado ao ato inspiratório.

Essa cadeia muscular também começa a ser bem trabalhada dentro do sistema básico, onde muitos exercícios de crescimento axial na posição sentada são utilizados como esses abaixo, short box (Flat back) e stomack massage (hands back):

3) Terceira fase (começa por volta dos 7 anos) – Marcada, coincidentemente pela entrada da criança no ensino fundamental, onde vai aprender a ler, escrever, fazer contas, enfim, desenvolver todo o seu potencial racional. Seguindo essa etapa da onda GDS, quando a criança associa linguagem a uma complexidade simbólica, no pensamento por exemplo, ela se apropria de condições elementares do ser humano: com rica abstração; planejamento de futuro; análise de fatos do passado, e assim a criança pensa além do imediato (PM). A cadeia muscular que representa essa fase é chamada de Póstero-mediana (PM), localizada na região posterior do corpo.

• A imagem do pai como modelo é importante para que a criança possa integrar essa cadeia.

• Atitude propulsionada para frente, fora do “Eu”, refletindo a necessidade de ação.

•As pessoas que funcionam nesse registro são perpetuamente estimuladas por novas descobertas, raramente estão satisfeitos. Pessoas mais racionais.

No Pilates é no sistema intermediário que essa cadeia começa a ser mais trabalhada.

Dentro do método Pilates essa cadeia muscular (PM) só vai ser efetivamente trabalhada depois, no sistema intermediário, onde as cadeias musculares anteriores (AM) e (PA) já foram trabalhadas. Abaixo destaco alguns exemplos:

Sendo assim, O repertório de exercícios do sistema básico, tanto no Mat quanto no Refomer, são estruturados para que o aluno organize sua curva “C” e o que entendemos pelo conceito de “caixa de alinhamento”, ou seja, um quadrado imaginário formado pelas linhas horizontais que vão de ombro a ombro e quadril a quadril, assim como os paralelos ombro a quadril. Organizada a curva “C” com uma coluna já mais flexível e uma musculatura anterior um pouco mais forte, iniciamos um trabalho mais específico de fortalecimento da cadeia paravertebral. No nível intermediário começamos a introduzir o aluno nas extensões da coluna e respectivamente nas flexões laterais e rotações. Após um longo processo no nível intermediário e com as técnicas dos exercícios já bem consolidadas, iniciamos outro processo no nível avançado.

Essa característica do método, de reconstrução da trajetória do nosso desenvolvimento motor deve ser introduzida para cada sujeito de acordo com a sua tipologia morfo-psico-comportamental.

Considerações finais

Sabemos que mudar um hábito ou um comportamento nem sempre é fácil, muitas vezes estamos fixados em um padrão emocional, sentimental e corporal. O primeiro passo para uma mudança é tomar consciência do que acontece dentro de nós, isso só pode ser possível quando reconhecemos um padrão de organização muscular e corporal que refletem emoções e sentimentos.

Ora, se estamos conscientes dos meios utilizados para organização de uma expressão, também podemos discernir o estímulo que a desencadeia e, dessa forma, interferir na resposta que podemos dar, isso chama-se consciência corporal ampliada.

É muito importante que o Professor de Pilates entenda, que quando tocamos nossos alunos, não são apenas ossos e músculos que estão sendo tocados, todo corpo é um grande baú repleto de história. A função de um professor de Pilates, entre outras, é educar o seu aluno, por meio da técnica e do movimento consciente, para que essa história seja ressignificada. Se considerarmos que cada indivíduo adota uma atitude corporal que lhe é própria e que decorre de sua vivência psicocomportamental, e ainda, se podemos perceber que nossa postura corporal reflete, na forma de linguagem, o que muitas vezes as palavras não podem expressar, a atitude de formatar todo e qualquer sujeito em um padrão pode ser considerada um ato violento que vai contra o próprio legado deixado por Joseph Pilates. Sendo assim, talvez seja necessário pensarmos em outros conceitos que sejam capazes de nortear nossas práticas tendo em vista os desafios que cada aluno nos apresenta.

Que tal o leitor refletir sobre o conceito de ADAPTABILIDADE. Tente preparar o corpo e a mente de seu aluno para que, a partir de sua individualidade, ele possa ter a força, a flexibilidade e principalmente a liberdade para se adaptar às diferentes situações e solicitações ao longo de sua experiência de vida.

Referências bibliográficas

1. Bertazzo, Ivaldo – Fases da Vida: da gestação à puberdade – São Paulo: Edições Sesc, 2018.

2. Béziers, Marie-Madeleine & Piret, Suzanne – A coordenação Motora: aspecto mecânico da organização psicomotora do homem – 3°edição – São Paulo: Sumus, 1992.

3) Béziers, Marie-Madeleine & Hunsinger, Yva – O Bebê e a coordenação motora – 4° edição: tradução de Lucia Campello Hahn. – São Paulo: Summus, 1994.

4) Campignion, Philippe – Respir-ações: A respiração para uma vida saudável – São Paulo: Summus, 1998.

5) Feldenkrais, Moshe – Consciência pelo movimento (tradução

de Daisy A. C. Souza); São Paulo, Summus, 1977.

6) Fiasca, Peter – Descubriendo el Pilates Clássico Puro: Teoría y Práctica conforme a la intención de Joseph Pilates, 2012

7) Pilates, Joseph Hubertus – Escritos (Your Health & Return to life of through contrology): The authentic Pilates Studio Brasil, 2012. 228p.

8) Kolyniak Filho, Carol; Garcia, Inelia Ester – O autêntico método

Pilates de Condicionamento físico e mental (contrologia): Contribuições para uma fundamentação teórica. São Paulo: The authentic Pilates Studio Brasil, 2012. 2⁰ edição.

9) Ungier, Renata – O que meu filho aprendeu … viajando. Uma reflexão GDS: https://www.kineclinicadefisioterapia.com/single-post/2017/03/01/O-que-meu-filho-aprendeu-viajando-Uma-reflex{4121ed2f9c61c79b21e501fce2caa3925e07f74e72b2eed7bf1f95572017b96d}C3{4121ed2f9c61c79b21e501fce2caa3925e07f74e72b2eed7bf1f95572017b96d}A3o-GDS

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